Com o tempo, você percebe que as relações que mais acrescentam significados à vida são aquelas com as pessoas que pensam diferente de você. De nada adianta o convívio exclusivo com quem só alimenta seu ego, estimula seu autoritarismo emocional ou reafirma as suas certezas, tão absolutas quanto vãs. Melhor é compartilhar o cultivo da dúvida, ter a coragem de rever seus princípios, desconstruir seus castelos espirituais para descobrir os maravilhosos novos moldes que se pode dar à areia. Provoque a bagunça interior, infinitas e renovadas vezes. Duvidar das suas convicções também é uma forma de acreditar em você.
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
sábado, 20 de outubro de 2012
O médico
Penso que o mundo seria melhor se, em suas passagens terrenas, todos os seres humanos vivenciassem a prática médica. Não a prática da Medicina mercantilizada, mecânica, moderna. Mas a Medicina que ainda coloca as relações de amor acima das relações de poder.
Lembro-me que, quando criança, escutava as pessoas falarem do heroísmo dos médicos, dos mistérios que cercam suas vestimentas brancas, a projeção social frente à valia da sua palavra, última e incontestável para os que a esperam.
Vejo que os mistérios em muito ultrapassam esses limites. Ser médico, às vezes, é ter a coragem (e que coragem!) de oferecer sua própria impotência para aliviar a dor de alguém. A impotência da sua meditação, da sua oração, dos seus conhecimentos. Mais do que o remédio que alivia ou o procedimento que cura, aprende-se a ser médico quando, muitas vezes, só podemos oferecer nossa humanidade, nossas mãos frias e trêmulas, nosso compartilhar do medo, nosso despreparo frente às despedidas.
Mais que as noites de estudo, que os anos de preparação, que a atualização científica constante, que as horas exaustivas de trabalho, que os testes injustos e contínuos dos conhecimentos técnicos, que as condições desfavoráveis de exercer a profissão, que o desrespeito das políticas públicas; ser médico é vencer a ponte da chegada e da despedida da vida, compreendendo que os dois extremos fazem parte de um só caminho e que, para cuidar da vida, é também necessário saber cuidar da morte.
A morte, essa passagem rica em significações, onde todos os nossos mais belos sentimentos ganham uma conotação assustadora – momento em que o amor e a paixão deixam de ser nosso bálsamo e transformam-se no embalo da nossa solidão, na tragédia da nossa solene saudade. A morte, a única experiência democrática, onde todas as mãos, as ricas ou as pobres, de qualquer cor ou qualquer raça, abundantes em ouro ou em lutas por sobrevivência, clamam por consolo, por companhia, por conforto, mesmo sabendo que nenhum deles conseguirá transpor a barreira final.
A morte, aquela que os médicos aprendem a compreender e a respeitar, que precisam desmistificar diuturnamente, com quem muito aprendem ao entender que sua função não é vencê-la, pois ela não está propondo combate, mas sim cuidar e zelar para que sua passagem ocorra da maneira menos dolorosa, mais tranquila, mais suave.
Essa é a imagem que escolhi cultivar do médico, mesmo convivendo, na maior parte das horas, com os médicos que renegam a medicina poesia para exercer a medicina vaidade. Que o médico não troque os sentimentos de amor e gratidão pelos sentimentos de soberba e competitividade. Que o médico não transforme sua presença de esperança e confiança em um nome a mais para uma lista de plano de saúde. Que o médico não siga acreditando que sua maior vitória é ser o primeiro lugar nas provas, permanecendo nos lugares distantes em suas barreiras emocionais. Que o médico não se limite a vender serviços, esquecendo-se da grandiosidade dos sentimentos gratuitos. E, sobretudo, que ser médico não se transforme em um risco plantado por tantos profissionais que quebraram o espelho onde se refletia a verdadeira imagem do médico, porque essa imagem, embora desacreditada no tempo, é o que torna música o silêncio dos nossos passos.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Não envenene sua vitória com a soberba. Não estrague o ameno sabor das conquistas honrosas com o amargor das falsas modéstias. Deguste a simplicidade, brinde, em doses progressivas e sempre compartilhadas, com a escalada árdua e deliciosa do crescimento interior. A humildade é o melhor tempero na receita da vida.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Um elogio à multiplicidade
Multiplicidade de talentos é o que torna
encantadora a diversidade da vida. Qualquer ambiente em que um único talento
seja reverenciado merece rejeição. Entretanto, abandonamos cada vez mais e cada
vez mais cedo nossos talentos. Somos criados e projetados para atingir às
expectativas várias, menos as nossas. Somos educados para preferir o comodismo, o
grande mal do século, que a coragem de ser espontâneo e autêntico em um mundo
que ridiculariza o diferente.
Por baixo de nossas
gravatas e nossas roupas impecavelmente engomadas, somadas aos nossos
acessórios da moda, morrem, diuturnamente, nossas maiores e mais genuínas aspirações.
Quantos escritores, músicos, esportistas, oradores, humanistas, revolucionários,
artistas e uma vasta lista de potencialidades perecem no nosso cemitério
interior, lamentando com sofreguidão nossa vida atarefada, regrada, polida e
previsível. Quantos elos nós, insistentemente, acrescentamos à corrente que
reprime e esmaga nossa liberdade!
E esse pensamento
está longe de ser a falsa demagogia dos que repudiam o sucesso financeiro
consequente às profissões mais aclamadas. Ao contrário, acho que o dinheiro
fruto do seu esforço e coragem de exercer seu talento é mais do que necessário
(a necessidade nem merece ser debatida), mas também bem vindo para proporcionar
uma vida digna e até mesmo para alimentar algumas pequenas vaidades inerentes à
natureza humana, que são até mesmo necessárias para impulsionar o crescimento
pessoal, desde que não sirvam de obra prima para alimentar as vaidades
destruidoras.
O que não dá é para
se entregar a atingir às perspectivas e destruir suas convicções. Não dá para
enxergar mérito na vitória sem sacrifício ou no pódio com medalha de ouro e não
de suor, de coragem e de uma boa dose de humildade. É mais confortável
desfrutar um castelo já levantado que ter o ideal de colocar o primeiro tijolo,
porém não é mais digno nem honroso.
Por isso, convivemos
com pessoas cada vez mais bem sucedidas e invejáveis, porém, paradoxalmente,
cada vez mais infelizes, vazias e emocionalmente despreparadas, que colocam os
aplausos como meta de vida. Por isso, também, Rubem Alves escreveu que “é mais
importante educar o coração que fazer musculação na inteligência”, defendendo,
ainda, que prefere as inteligências que iluminam a vida, por modestas que
sejam.
Se toda mentira se
disfarça de mãe para nos salvar, que tenhamos a coragem de nos perder em prol
de uma vida com mais verdade, com a multiplicidade de verdades que torna a
verdade absoluta uma grande tolice. Se todos são dotados de genialidades, que
tenhamos a audácia de apostar em nossos múltiplos talentos, não como quem se
apressa para cumprir um dever, mas com êxtase suficiente para encarar seu
direito de escolher o convívio só com o que proporciona prazer e alegria, só com
o que estimula a sabedoria e a criatividade.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Todo começo...
É uma bênção. O assustador é a estática diante da vida e de suas infinitas possibilidades de criação, renovação e libertação. O estático é mais sedutor, confortável, recalcado. Finito em si mesmo, não requer nossa dedicação, nossos sacrifícios, nossos trabalhos e lutas diárias. O dinâmico é desafiador, e, como todo desafio, é também perigoso. Quem arrisca corre o risco de perder, mas também corre o risco de ganhar. Quando você compreende que mesmo algumas perdas são necessárias, o risco deixa de ser o colega distante para ser o amigo estimado. É preferível arriscar ser o que vôcê sempre quis, mesmo imperfeito, vulnerável, passível de erros e infâmias, mas humano. É preferível ultrapassar as expectativas e padrões sociais, que viver uma vida morna, que cumpre horários e rótulos religiosamente, mas que enclausura e desperdiça todo o seu potencial de recriar a palavra felicidade. Nada é mais encantador que o (re)começo.
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