segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A poesia da vida

Sentir a poesia da vida não é uma escolha. É uma marca que carregamos (quando não somos carregados). Triste é quando tentamos carregar a poesia, modelando as palavras como escultores, prevendo as rimas, contando as sílabas, lapidando o verso. As palavras trancadas, planejadas, trabalhadas para os olhos dos outros, para o encontro dos aplausos, para a escravidão da disciplina. Quando somos carregados, a poesia passa a ser dos nossos sentidos e não da nossa ciência: as palavras rasgam, sangram, afrontam, dormem na nossa confusão, movimentam nossa calmaria, fazem festa na nossa solidão. E, de repente, percebemos que a poesia da vida está longe dos nossos corriqueiros aprofundamentos, da nossa mania de investigar e justificar os sentimentos e as coisas, da nossa eterna procura pelos mistérios de cada momento. A verdadeira poesia, às vezes, é tão somente essa deliciosa ausência de sentido do escorrer do tempo, da borboleta que passa, do rio que flui, do vento que corre, da boca que beija, da mão que toca, da palavra que não cala... sem precisar entender... sem pretender explicar nada...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Antes isso...

Desejo apenas que eu não perca, mesmo com as arranhaduras da vida, a capacidade de sentir paixão e indignação. Mesmo que o comodismo seja a grande tentação da nossa mediocridade, mesmo sofrendo os choques e arrepios dos que sentem em demasia, mesmo que cada pequena curva do caminho ganhe o temor e a beleza dos grandes penhascos. Antes isso que a covarde entrega às superficialidades: a existir sem viver, a repartir sem compartilhar, a beber sem brindar, a vencer sem ajudar, a conseguir sem agradecer, a engrandecer sem simplificar, a progredir sem trabalhar, a obter sem merecer, a ler sem imaginar, a desfrutar sem abdicar, a somar sem doar, a perder sem aprender, a aprender sem apreender, a errar sem reconhecer, a falar sem escutar, a escutar sem compreender, a orar sem acreditar, a afirmar sem duvidar, a envelhecer sem mudar, a mudar sem saber, a saber sem transformar, a entender sem aprofundar, a querer sem lutar, a pensar sem desenvolver, a pretender sem arriscar, a ter sem cuidar, a conhecer sem cativar, a sugerir sem disponibilizar, a receber sem retribuir, a conviver sem ceder, a gostar sem encantar, a sorrir sem alegrar, a desistir sem lutar, a discordar sem defender, a rebater sem respeitar, a resistir sem provar, a encher sem transbordar, a ver sem enxergar, a limitar sem ultrapassar, a temer sem encarar, a padronizar sem inovar, a obedecer sem contestar, a elogiar sem admirar, a amar sem AMAR. Porque, enquanto tudo isso é alimento para a nossa ignorância, é inanição para a nossa alma.