sábado, 16 de agosto de 2014

Mudando o olhar



Que cada coisa ganha o tamanho que permitimos, já não me era segredo. Mesmo assim, andava ao encontro da velha armadilha de responsabilizar todos os acasos pela forma dos meus traços. Mal sabia que, abandonando meus traços, tornava-os cada vez mais solitários.

Não sabendo o que fazer com cada coisa e também não encontrando espaço para descobrir o tamanho delas, decidi mudar o que posso: o meu olhar. Coloquei um pouco de serenidade nos espaços vazios do meu modo de enxergar e então respirei. A luz iluminava mais forte do que eu imaginava as frestas diminutas da cidade. Já não era o canto dos pássaros, era o soar dos desejos. Até as ondas da arrogância e do orgulho quebraram mais mansas no meu distante mar.

Aquilo que não há como nominar ganhou uma força enorme dentro das minhas palavras. Tenho agora um olhar que mistura os sentidos, que não se conforma com a imagem e busca os cheiros, os sons e os sabores. Ganhei vocação para recusar temperaturas mornas e coragem para direcionar o querer. Apropriei-me dos detalhes para servir de lupa. Estiquei meus sentidos para não deixar escapar sequer um pedaço da minha fé. A fé inocente, a crença na beleza do próximo segundo e a paz de já não imaginar o risco da próxima hora.

Optei pelo doce alento de me saber humana. Minha abundância agora é aceitar que cada coisa tem seu mistério e cada tempo tem suas revelações. Mudei o meu olhar para aprender a amar as insignificâncias. Eu não encontro alegria nas complexidades.

sábado, 2 de agosto de 2014

Passo em falso





Talvez viver seja realmente isso: saber que, na corda bamba das emoções, sempre há a possibilidade de um passo em falso. Às vezes, um único passo errado impossibilita todos os outros e, não importa o quanto já se tenha andado, será necessário retornar ao início do caminho.

Quero conviver com as sensações de instabilidade e desequilíbrio de forma menos esmagadora. Quero descobrir as delícias dessa dinâmica da vida, fechar os olhos, deixar o vento despentear os cabelos, usar o descompasso como dança. Aceitar minha humanidade de não ter sempre um solo firme, nem um pisar seguro. Deixar-me balançar sem racionalizar sobre a possível queda, sobre o risco do próximo segundo.
 
Quero fazer as pazes com a minha angústia e não mais sentir que estamos concorrendo pelo posto de juiz carrasco. Quero novamente a serenidade do nosso entendimento mútuo no fim do dia, no fim da certeza, no fim da coragem. Sua companhia confortável no início da solidão, no início da dúvida, no início do medo. Quando, juntas, somos capazes de iluminar os refúgios mais escuros da noite.
 
Tenho confundido clareza com sinceridade, calma com cautela, restos com resquícios, metades com inteiros. Tenho enclausurado monstros que eu já havia libertado, rasgado minhas cartas de alforria para obter velhos hábitos escravos. Tenho criado um labirinto infinito em busca de entendimentos.
 
Não quero uma angústia que me sufoca a alma, que me deixa seca diante do mar de palavras, que me empurra para dentro. Não quero uma angústia que me deixa covarde diante das pequenas coragens e forte diante das grandes acusações. Quero aquela angústia em forma de urgência de viver, que me faz libertária, revolucionária das minhas próprias causas, defensora do direito das minhas próprias contradições.
 
A angústia amiga que me faz encarar a corda e que me impulsiona a dar o próximo passo, mesmo que  seja um passo em falso.