sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu encontro com moradores de rua

           Atendendo em uma Unidade Básica de Saúde, passei a conviver com muitos moradores de ruas de Fortaleza. De forma até mesmo paradoxal (e absurda), esses pacientes parecem não ter direito formal ao atendimento por não possuírem endereço para realizar cadastro. Literalmente, contam com a solidariedade e a compaixão dos profissionais que, por conta própria, prestam atendimento a essas pessoas, como uma espécie de favor.
            Não sei em que ponto do caminho morreu nossa humanidade, mas, se eu soubesse, voltaria para resgatar a única coisa que poderia tornar grande nossa passagem mortal: o amor. Rubem Alves diz que Jesus nos ordenou amar o próximo como a si mesmo, maior desafio da humanidade, pois é muito fácil amar o distante, aquele que não interfere em nossa conduta, para quem não temos que descontruir nosso egoísmo para possibilitar a relação.
            Escutei histórias de luta por sobrevivência de pessoas que moram em ruas sujas, prostituídas, perigosas e violentas. O heroísmo disfarçado em trajes imundos, dentes desgastados e corpos que, brutalmente, apresentam-nos a violência e o abandono de forma até mesmo assustadora para quem nunca soube o que é não ter o que comer, onde dormir, como escovar os dentes ou o direito de adoecer. Para quem não sabe se amanhã estará vivo, quiçá se valeria a pena estar. A capa da invisibilidade que morou nos nossos sonhos de criança acompanha a sombra dessas pessoas, mas da forma mais cruel possível: de mãos dadas com o pior dos sentimentos – a indiferença.
            Contam sobre espancamentos, prisões, estupros, solidão, ideias suicidas. Muitos têm suas raízes desde o nascimento no solo invisível das ruas, outros perderam seus lares e laços familiares para as drogas e, com sofreguidão inenarrável, observam diariamente às escondidas os parentes e, ainda assim, vibram silenciosamente com a descoberta de netos e bisnetos que jamais abraçarão. Esperam ansiosamente a passagem da morte para encontrarem o descanso inalcançável em vida, mas, que grande traiçoeira, a morte demora a chegar, é o que seus olhos dizem.
            Senti vergonha de mim. Senti vontade de ser melhor para conseguir ser melhor para alguém. Percebi que a profissão que escolhi seguir na vida detém uma responsabilidade que em muito ultrapassa qualquer conhecimento que eu possua ou sequer que um dia venha a possuir. Você pode, deve e tem obrigação de ser um raio de esperança para essas pessoas, lutar não para que ganhem favores, mas para que tenham direitos, principalmente direito a ser HUMANO – um ser humano que pensa, sente, sofre, aprende, tem expectativas, almeja um futuro e pode encontrar razões para sonhar e para ser feliz.
            Vejo muita demagogia hoje, sobretudo nas redes sociais, em falas de defesa às parcelas menos favorecidas da sociedade, mas muito pouco é feito de forma concreta. Essa onda de violência que hoje nos apavora é SIM um reflexo da nossa cegueira, irresponsabilidade e menosprezo aos problemas sociais, especialmente dos que estão na “ponta do sistema” e que deveriam levar essa bandeira como uma missão governamental, política e humana.
            Vejo que a pior pobreza não é a econômica. A pior pobreza é não saber usar nosso senso crítico, nossa saúde, nossa disposição e nossa vida para refazer valores e reconstruir cenários em um mundo repleto de egoísmo, isolamento, consumismo, falsidade, aparências, mediocridade e ingratidão. Nós não deixamos de ser humanos quando perdemos o imutável estado de mortais. Nós deixamos de ser humanos quando desaprendemos a sentir paixão e indignação, em igual proporção.

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