quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre amor e paradoxos


Amar é para quem se delicia com os paradoxos.

Amor só escolhe o avesso, é amante do oposto. Amamos quem não nos parece semelhante, para aprendermos a respeitar o que ainda não temos. Amamos aquele que cultiva o que sempre detestamos, para conhecermos o valor dos outros gostos. Amar não tem explicação – só o amor zomba dos dicionários.

Você prefere a caipirinha, ele não larga a cerveja. Você tem delírios literários, ele confunde literatura brasileira e portuguesa. Você sonha em viajar pela Europa, ele quer fazer compras na América. Você se preocupa com o currículo, ele quer ganhar na mega sena. Você escuta Chico, ele não diferencia Vinícius e Tom. Você é megalomaníaca nas expressões e não dispensa uma discussão de relacionamento, ele é monossilábico e prefere postergar a conversa para amanhã. Você procura a lista de filmes, ele procura a lista de festas. Você quer ir para o teatro, ele já marcou no bar. Você sonha em casar, ele sonha em ficar rico. Você sonha em comprar uma casa, ele sonha em trocar de carro. Você diminui o som, ele aumenta. Você aumenta a temperatura, ele não aguenta. Você oferece conselhos, ele dispensa. Você muda o visual, ele não atenta. Você faz planos, ele não lembra. Você é alma e coração, ele é razão e ciência. Tudo parece estar errado.

Mas amar é contravenção – é o quebrar de todas as regras, é o duvidar de todas as lógicas, é o inimigo do comodismo. Amar é fazer mágica – transformar o tudo para dar errado em uma saudade urgente, em um cheiro no travesseiro, um canto já moldado na cama, uma presença familiar, uma calmaria no engarrafamento, um remédio para a ressaca, uma predileção egoísta, um jeito próprio e único de posicionar o banco, os talheres, as mãos, os olhos, os medos, os lábios.

Amar é a única e verdadeira confissão – expor todos os vícios, perder o controle, mostrar seu ridículo, desprender-se do que se pretendia ser para ser o que se é. Chegar com a pior roupa, permanecer com os piores modos, sair com os piores passos... E, mesmo assim, caricaturar o objeto amado: rindo de seus defeitos, gargalhando de suas falhas, brindando e colorindo a revelação de sua imperfeição.

Amar é perdoar – sobretudo a si mesmo, por não dar ao outro tudo que ele merece de liberdade, de aventura e de paixão.

Amar é fazer as malas das mágoas e das discórdias repetidas vezes e sair na rua sem rumo, mas, no primeiro cheiro de café e de amor, saber para onde voltar e lá encontrar o outro, diferente, complicado e relutante, mas aquele quem doará o abraço, o colo, o casaco, a carona, a paciência e, quando menos perceber, terá doado quase tudo de si.

E engolirá cada palavra para dormir, e transformará o silêncio no melhor sussurro, e aprenderá a mentir com suspiros, e dirá a verdade com promessas, e confundirá carinho com ternura, e embalará a dor do outro com olhares, e enxugará as lágrimas com a respiração, e disfarçará o constrangimento com a alegria, e abrirá a ferida para esconder a covardia, e compartilhará a solidão com orações e aprenderá a reencarnar em vida para merecer o que ainda não foi vivido.

Amar é para quem se delicia com os paradoxos.

 

 

Um comentário:

  1. Quanta sabedoria... "Amar é perdoar – sobretudo a si mesmo, por não dar ao outro tudo que ele merece de liberdade, de aventura e de paixão"... achei fantástica essa colocação... nunca tinha parado para pensar desse modo. =)

    Sher.

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