Amar
é para quem se delicia com os paradoxos.
Amor
só escolhe o avesso, é amante do oposto. Amamos quem não nos parece semelhante,
para aprendermos a respeitar o que ainda não temos. Amamos aquele que cultiva o
que sempre detestamos, para conhecermos o valor dos outros gostos. Amar não tem
explicação – só o amor zomba dos dicionários.
Você
prefere a caipirinha, ele não larga a cerveja. Você tem delírios literários,
ele confunde literatura brasileira e portuguesa. Você sonha em viajar pela
Europa, ele quer fazer compras na América. Você se preocupa com o currículo,
ele quer ganhar na mega sena. Você escuta Chico, ele não diferencia Vinícius e
Tom. Você é megalomaníaca nas expressões e não dispensa uma discussão de
relacionamento, ele é monossilábico e prefere postergar a conversa para amanhã.
Você procura a lista de filmes, ele procura a lista de festas. Você quer ir
para o teatro, ele já marcou no bar. Você sonha em casar, ele sonha em ficar
rico. Você sonha em comprar uma casa, ele sonha em trocar de carro. Você diminui
o som, ele aumenta. Você aumenta a temperatura, ele não aguenta. Você oferece
conselhos, ele dispensa. Você muda o visual, ele não atenta. Você faz planos,
ele não lembra. Você é alma e coração, ele é razão e ciência. Tudo parece estar
errado.
Mas
amar é contravenção – é o quebrar de todas as regras, é o duvidar de todas as
lógicas, é o inimigo do comodismo. Amar é fazer mágica – transformar o tudo para
dar errado em uma saudade urgente, em um cheiro no travesseiro, um canto já
moldado na cama, uma presença familiar, uma calmaria no engarrafamento, um
remédio para a ressaca, uma predileção egoísta, um jeito próprio e único de
posicionar o banco, os talheres, as mãos, os olhos, os medos, os lábios.
Amar
é a única e verdadeira confissão – expor todos os vícios, perder o controle,
mostrar seu ridículo, desprender-se do que se pretendia ser para ser o que se
é. Chegar com a pior roupa, permanecer com os piores modos, sair com os piores
passos... E, mesmo assim, caricaturar o objeto amado: rindo de seus defeitos,
gargalhando de suas falhas, brindando e colorindo a revelação de sua
imperfeição.
Amar
é perdoar – sobretudo a si mesmo, por não dar ao outro tudo que ele merece de
liberdade, de aventura e de paixão.
Amar
é fazer as malas das mágoas e das discórdias repetidas vezes e sair na rua sem
rumo, mas, no primeiro cheiro de café e de amor, saber para onde voltar e lá
encontrar o outro, diferente, complicado e relutante, mas aquele quem doará o
abraço, o colo, o casaco, a carona, a paciência e, quando menos perceber, terá
doado quase tudo de si.
E engolirá cada palavra para
dormir, e transformará o silêncio no melhor sussurro, e aprenderá a mentir com
suspiros, e dirá a verdade com promessas, e confundirá carinho com ternura, e
embalará a dor do outro com olhares, e enxugará as lágrimas com a respiração, e
disfarçará o constrangimento com a alegria, e abrirá a ferida para esconder a
covardia, e compartilhará a solidão com orações e aprenderá a reencarnar em
vida para merecer o que ainda não foi vivido.
Amar
é para quem se delicia com os paradoxos.
Quanta sabedoria... "Amar é perdoar – sobretudo a si mesmo, por não dar ao outro tudo que ele merece de liberdade, de aventura e de paixão"... achei fantástica essa colocação... nunca tinha parado para pensar desse modo. =)
ResponderExcluirSher.