segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Um elogio à multiplicidade

       Multiplicidade de talentos é o que torna encantadora a diversidade da vida. Qualquer ambiente em que um único talento seja reverenciado merece rejeição. Entretanto, abandonamos cada vez mais e cada vez mais cedo nossos talentos. Somos criados e projetados para atingir às expectativas várias, menos as nossas. Somos educados para preferir o comodismo, o grande mal do século, que a coragem de ser espontâneo e autêntico em um mundo que ridiculariza o diferente.

            Por baixo de nossas gravatas e nossas roupas impecavelmente engomadas, somadas aos nossos acessórios da moda, morrem, diuturnamente, nossas maiores e mais genuínas aspirações. Quantos escritores, músicos, esportistas, oradores, humanistas, revolucionários, artistas e uma vasta lista de potencialidades perecem no nosso cemitério interior, lamentando com sofreguidão nossa vida atarefada, regrada, polida e previsível. Quantos elos nós, insistentemente, acrescentamos à corrente que reprime e esmaga nossa liberdade!

            E esse pensamento está longe de ser a falsa demagogia dos que repudiam o sucesso financeiro consequente às profissões mais aclamadas. Ao contrário, acho que o dinheiro fruto do seu esforço e coragem de exercer seu talento é mais do que necessário (a necessidade nem merece ser debatida), mas também bem vindo para proporcionar uma vida digna e até mesmo para alimentar algumas pequenas vaidades inerentes à natureza humana, que são até mesmo necessárias para impulsionar o crescimento pessoal, desde que não sirvam de obra prima para alimentar as vaidades destruidoras.

            O que não dá é para se entregar a atingir às perspectivas e destruir suas convicções. Não dá para enxergar mérito na vitória sem sacrifício ou no pódio com medalha de ouro e não de suor, de coragem e de uma boa dose de humildade. É mais confortável desfrutar um castelo já levantado que ter o ideal de colocar o primeiro tijolo, porém não é mais digno nem honroso.

            Por isso, convivemos com pessoas cada vez mais bem sucedidas e invejáveis, porém, paradoxalmente, cada vez mais infelizes, vazias e emocionalmente despreparadas, que colocam os aplausos como meta de vida. Por isso, também, Rubem Alves escreveu que “é mais importante educar o coração que fazer musculação na inteligência”, defendendo, ainda, que prefere as inteligências que iluminam a vida, por modestas que sejam.

            Se toda mentira se disfarça de mãe para nos salvar, que tenhamos a coragem de nos perder em prol de uma vida com mais verdade, com a multiplicidade de verdades que torna a verdade absoluta uma grande tolice. Se todos são dotados de genialidades, que tenhamos a audácia de apostar em nossos múltiplos talentos, não como quem se apressa para cumprir um dever, mas com êxtase suficiente para encarar seu direito de escolher o convívio só com o que proporciona prazer e alegria, só com o que estimula a sabedoria e a criatividade.

           

2 comentários:

  1. "Se toda mentira se disfarça de mãe para nos salvar, que tenhamos coragem de nos perder em prol de uma vida com mais verdade, com a multiplicidade de verdades que torna a verdade absoluta uma grande tolice". ESSA FOI PERFEITA, ARRASOU!!!

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  2. O que achei mais legal foi você enfatizar que essa multiplicidade de talentos também mora em uma só pessoa. Sou médico e flautista, minha melhor decisão foi conseguir exercer as duas coisas as quais devoto muita paixão por inteiro. Que esse texto desperte os talentos adormecidos! Boa sorte.

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